Os eSports são uma modalidade em crescimento no Boavista FC, e também um pouco por todo o mundo. Para perceber melhor este fenómeno estivemos à conversa com Reinaldo Ferreira, Diretor de Marketing e Tecnologias de Informação do Boavista Futebol Clube e Diretor de eSports.
Como surgiu o Departamento de eSports do Boavista?
Para sermos fiéis à história, nos inícios de 2017 existiam vários contactos de jogadores e equipas no sentido de quererem representar o Boavista nos eSports. Essas equipas que se juntam e de repente se inscrevem e dizem “vamos arranjar um nome fixe, vamos ser os Boavista Footballers, acho que o clube não se vai chatear”. E inscrevem-se em competições usando esse nome. Depois, a seguir, gostavam muito de ser uma equipa oficial. Existiam esses contactos. Por isso na altura comecei a falar individualmente com essas pessoas que tinham essas ideias e essas equipas, fui estudar a situação do mercado nacional e internacional para propor ao vice-presidente, e por sua vez ao presidente do clube, uma proposta daquilo que devíamos fazer.
Há duas grandes correntes de opinião nos eSports. Uma liderada claramente pelos produtores dos jogos, que, basicamente, como são donos dos jogos, aquilo que querem fazer é dizer que os eSports são uma espécie de marketing do jogo. Portanto, a competição no jogo é útil para nós pormos pessoas a jogar o nosso próprio jogo. Depois, há uma corrente diferente. No caso do futebol, existe o futebol e depois existe o futebol virtual. Um simulador de futebol é futebol, mas digital e, portanto, não deixa de ser uma modalidade competitiva. Há estas duas correntes. Portanto, a pergunta que se colocava era “O que devem ser os eSports no Boavista?” Uma ferramenta de marketing ou uma modalidades desportiva? Pelo que entendo do mercado, devem ser as duas coisas. Portanto, na altura fiz a proposta de os eSports se posicionarem no clube como mais uma modalidade, com o cuidado de não dizer desportiva, porque seria incorreto, porque em Portugal não é desportiva. Eu acho que tendencialmente vai ser reconhecida em todo o lado como modalidade desportiva. Por agora, é uma modalidade com uma componente tecnológica muito forte e, por essa razão, pode fazer sentido estar debaixo da alçada das Tecnologias da Informação, mas deve estar intrinsecamente ligada às atividades de marketing do clube. Deve ser um pouco das duas coisas.
Em 24 de abril de 2017 o presidente João Loureiro aprovou a proposta e, imediatamente a seguir, começamos a trabalhar. Começamos pelo FIFA, com a categoria de Pro Clubs, que é a categoria em que jogam 11 jogadores contra 11 jogadores, muito pouco depois começamos a jogar também FIFA 1 contra 1, passado uns meses lançamos League of Legends e em 2018 lançamos PES. Atualmente temos FIFA, PES e League of Legends.
Quantos atletas tem o Boavista nos eSports e como estão distribuídos pelas várias categorias?
A categoria que tem mais atletas é a Pro Clubs de FIFA. Temos duas equipas, A e B, na PS4 e uma equipa em PC. Portanto aqui temos tendencialmente 60 atletas. Depois temos atletas de 1 para 1, que como jogam sozinhos são menos, quer em FIFA quer em PES. Temos uma equipa de 3 contra 3 que é a equipa de eFootball Pro de PES, que é a equipa internacional, e a equipa do LoL que normalmente é uma equipa sem suplentes e portanto atualmente têm exactamente os cinco elementos que compõem a equipa.
Como funciona a competição dos eSports nas várias categorias?
Os eSports têm a característica de serem ainda bastante, vamos dizer, desregulamentados. E portanto há variações muito grandes de situação para situação. A característica comum a todos os eSports é o papel preponderante do produtor do jogo. Cada produtor de um jogo no fundo tem influência pelo menos nas grandes competições.
Que desafios vai enfrentar o Boavista esta temporada ao nível dos eSports?
O maior desafio dos eSports, e não é só para o Boavista, é a estruturação da modalidade. Desejavelmente, claro que todos os que estamos envolvidos na modalidade ficaríamos contentes se ela fosse reconhecida como desporto. Portanto aí poderíamos chamar de facto desporto eletrónico ou eSports. Para já é apenas uma prática, uma prática altamente competitiva. Estamos a falar de já termos jogadores internacionais ou termos jogadores a serem transferidos entre clubes, a pagar. Este ano fizemos transferências em que vendemos jogadores do Boavista. Os eSports já começam a ter uma movimentação significativa e, como tal, o desafio da estruturação é fundamental.
Por estruturação quero dizer, cada vez mais jogadores integrados em clubes oficiais, cada vez mais competições com algum tipo de supervisão oficial, seja do produtor do jogo ou de uma entidade responsável, como uma federação.
Aparentemente os eSports têm de diferença relativamente às outras modalidades desportivas o facto de serem electrónicos. Mas estou pouco preocupado com isso, até porque neste momento temos jogadores de futebol profissional a correr com aparelhos eletrónicos encostados ao peito. Portanto o eletrónico não é a principal diferença. A principal diferença é que qualquer jogador de futebol competitivo passou anos e anos a fio nos vários escalões etários onde encontrou o treino, o contacto com a necessidade de treinar, ter disciplina, jogar em equipa, respeitar o adversário, a própria equipa, o treinador e os dirigentes. Teve uma formação ao longo de muito tempo. E eu conheço muitos jogadores de eSports que começaram a jogar há cinco meses e nunca tiveram presencialmente com ninguém. E portanto a grande diferença não é ser eletrónico, a grande diferença é a distância.
Um jogo muito popular e que o Boavista FC não adotou é o Fortnite. Porque razão foi tomada essa decisão?
Há várias razões para não termos Fortnite. A primeira é que nós não vamos ter todos os jogos apenas porque eles são populares. Uma das decisões iniciais na criação dos eSports foi ter jogos que estivessem dentro dos padrões habitualmente considerados no desporto. Portanto, se queremos que isto se chame de desporto eletrónico, não podemos aceitar um jogo onde se matam pessoas. E portanto o nosso limite foi esse. Entretanto, tendo em conta a experiência do Comité Olímpico Internacional, decidimos alinhar as nossas exigências com as desta entidade e veremos o que o futuro nos traz. Portanto, se é um desporto eletrónico, como matar não é um desporto, nós não vamos ter um jogo que implique matar.
Temos League of Legends, que é fantasia, portanto não há verdadeiramente uma morte. Há uma espécie de perda de energia que dá origem a um reaparecimento do boneco noutro local do jogo. Portanto é um conceito relativamente abstrato. Aquilo que se usa não são necessariamente, armas são feitiços e outro tipo de intervenções. Não tem violência explícita. Não há cabeças a saltar ou sangue jogar. Há apenas, como disse, um desvanecer da energia. E, portanto, está dentro daquilo que consideramos admissível.
O Fortnite não estava completamente fora dos planos. Mas nós não somos um departamento de gaming, somos um departamento de competição. E a competição em termos de Fortnite não está ajustada aos planos do Boavista neste momento, o que não quer dizer que noutro momento não possamos ter planos de Fortnite.
Outra questão semelhante a colocar é se há planos para mais categorias. Sim, há planos para mais categorias, que dependem de duas coisas fundamentais. A primeira é a existência de pessoas que querem jogar jogos. Não faz sentido abrir uma categoria e depois não ter atletas. E, segundo, a existência de competições onde faz sentido nós participarmos. Também não faz sentido ter atletas e não ter competições para os por a competir. Portanto somos um departamento competitivo, somos uma modalidade competitiva, por isso dependemos de atletas e competições.
O Boavista não é um organizador de competições, no entanto, dissemos que não queríamos estar fora desse processo e por isso temos uma competição anual chamada First Champion. Vamos anunciar nos próximos dias também a edição deste ano. A primeira edição foi no ano passado, com a final no dia 2 de janeiro de 2019 no Estádio do Bessa. Uma final presencial seguida de um jogo futebol real da Liga NOS. Este ano vai acontecer exatamente a mesma coisa. Os jogadores vão participar online nesse torneio e os finalistas são convidados a vir jogar as finais no Estádio do Bessa e a seguir assistir ao vivo ao jogo de futebol no dia 5 de janeiro. É a nossa forma de também contribuir para a comunidade com mais uma competição.
Em relação aos treinos dos atletas, os atletas treinam livremente ou há algum tipo de regulação por parte do Boavista? Eles encontram-se fisicamente?
Todos os atletas do Boavista estão sujeitos a um regulamento e a um manual do atleta. O regulamento é no sentido de ser obrigatório e o manual é no sentido das grandes recomendações. No regulamento fala por exemplo nas obrigações de caráter disciplinar: o respeito, a disponibilidade, a competitividade ou não agressão. Todas essas questões que têm impacto disciplinar. E no manual do atleta acrescentarmos, por exemplo, a preparação física. Os atletas de eSports obviamente devem ter preparação física. E portanto na parte física temos recomendações aos nossos atletas, que não são absolutas exigências, mas que antes de mais nada são recomendações. Portanto, logo aí, todos os atletas estão sujeitos a este regulamento e a este manual.
Como é feito o treino para as categorias em que se joga em grupo? Os atletas combinam jogar à mesma hora?
Os eSports são normalmente indisciplinados em vários aspectos. Mas, curiosamente, relativamente à organização dos treinos têm uma disciplina quase férrea. A maior parte dos jogadores individuais tem rotinas, que eles próprios introduziram com a sua auto-disciplina. Por exemplo, um atleta tem disponibilidade para jogar de segunda a quinta das 7 da tarde às 9 da noite. Então, de segunda a quinta, move a hora de jantar, passa a jantar às nove e meia, e das 7 da tarde às 9 da noite, sozinho, toma a iniciativa de fazer o seu treino. Vai online, procura adversários, faz jogos e em cada jogo testa táticas.
No caso dos treinos de equipas, a auto-disciplina é obrigatório que apareça. Por exemplo, uma equipa de Pro Clubs, normalmente treina de segunda a quinta, ou até de domingo a quinta, das 21h30 às 23h30, todos os dias. Não são 52 semanas por ano, mas serão à vontade umas 40 e muitas. Exceptuando períodos de férias que vão surgindo, estamos a falar de pessoas que treinam tipicamente entre 10, 20 ou até 30 horas por semana.
Outra característica dos eSports é que podemos pessoas mais jovens a jogar com pessoas mais velhas. Entre os atletas do Boavista FC qual é, mais ou menos, a idade média e qual é o atleta mais novo e o mais velho de que o clube dispõe neste momento?
Em primeiro lugar, há sempre uma certa tentação de ligarmos os jogos aos mais novos. É claríssimo que o segmento etário onde a taxa de jogadores é maior, é o escalão, provavelmente, entre os 14 e os 18 anos de idade. No caso dos eSports, competição organizada e etc., há dois grandes grupos. Um entre os 18 e os 25 anos, que inclui universitários, que têm algum tempo livre, e trabalhadores. E depois o tal segmento mais velho, nos trintas. Malta já casada, com a sua vida mais ou menos organizada, e que tem disponibilidade para este treino constante. Portanto isso faz com que a média de idades seja por vezes surpreendentemente alta. Eu não ligo muito à média porque na maior parte dos casos ela não representa nada. Eu teria que dizer que a média se calhar é próxima dos 30 anos, por exemplo 27, quando na realidade tenho muita gente de 20 e muita gente de 30. São dois grandes grupos.
Dito isto, o mais novo atualmente penso que tem 16 anos. No League of Legends as médias são um bocadinho mais reduzidas. O jogo tem uma componente de estratégia muito elevada, tem que se estudar muito as características dos bonecos. Para além da destreza tem uma componente estratégica muito importante, portanto se calhar é o que tem a faixa etária mais nova, e talvez no FIFA Pro Clubs eu tenha a faixa etária mais velha, porque são equipas onde tecnicamente se pode jogar até mais tarde. Essa é outra característica dos desportos eletrónicos. Um jogador de 10 anos, fisicamente compete em igualdade de circunstâncias com um jogador de 50 anos.
Atualmente não consigo dizer quem é o jogador mais velho, mas já tivemos gente no escalão de mais de 50 anos.
Qual foi até agora o maior feito conquistado pela equipa de eSports do Boavista FC?
No ano passado, o nosso atleta Christopher Morais, atleta de PES, na competição internacional mundial de PES em 1 contra 1, individual, foi o 3º melhor melhor do mundo. É um lugar extraordinário. Não há um número concreto por parte da Konami, mas estaremos a falar, provavelmente, de alguns milhões de pessoas no mundo inteiro que participaram nessa competição.
Curiosamente, no ano passado, uma das finais europeias (houve três) realizou se aqui no Porto. Foi uma escolha muito interessante até porque na transmissão os símbolos do Boavista apareceram no palco, com o destaque que a organização decidiu dar.
No ano passado, foi a primeira época em que se disputou o eFootball Pro, e os clubes fundadores da competição foram o Boavista, o Barcelona, o Mónaco, o Celtic, o Schalke 04 e o Nantes. Este ano vão entrar mais alguns clubes de grande nome internacional. Aguardamos nos próximos dias que a Konami faça este anúncio e, com muita honra, o Boavista vai estar novamente nessa competição.
Infelizmente o Christopher na próxima época não vai estar connosco. Isso deixa-me triste e contente. Foi uma época interessantíssima com a nossa equipa de eFootball Pro e depois individualmente com o Christopher nas finais regionais e na final mundial, mas infelizmente temos que lhe dar espaço para outras oportunidades e portanto também muito em breve teremos notícias dos próximos passos do Christopher, que já não estará na equipa do Boavista.
Para terminar, como há muita gente que joga estes três jogos em particular, alguma dica para essas pessoas que jogam e que gostavam de começar a competir a um nível profissional ou a um nível amador mas competitivo?
É bom referires esse ponto. Quando dizemos profissional, não é fazer disto uma profissão. Temos que ter noção de que ser profissional de facto, isto é, ter como rendimento exclusivo os eSports, é algo que muito pouca gente vai conseguir. É um caminho muito longo até chegar aí. Portanto, primeira recomendação de todas: os jogos são entretenimento. E, portanto, se o entretenimento deixa de entreter, então já não é entretenimento. E por isso uma questão fundamental é: divirtam-se! É fundamental ter prazer naquilo que estou a fazer e isto fazer parte da minha pessoa de uma forma divertida, inteligente e saudável. Portanto, enquanto estou a jogar uma coisa e me divirto, acho que isso é positivo. É uma distração, uma descontração, é o que as pessoas entenderem que o jogo é.
A competição é atrativa e portanto é interessante entrar em competições. A vantagem dos eSports em relação à realidade é que na realidade eu não passo dos infantis aos seniores num ano. Tenho que seguir os escalões etários todos ao ritmo de 365 dias anuais. Mas nos eSports acontece algo semelhante, que é: eu começo por experimentar um jogo, a seguir começo por me entusiasmar muito com aquele jogo, estudá-lo mais profundamente, perceber as suas características e a forma como esse jogo pode ser mais competitivo, encontrar adversários online que podem ser interessantes, e a partir daí a coisa evolui de forma natural. Sempre conjugando a disciplina, todos temos que ter auto-disciplina, e sempre conjugando o jogo e a prática desportiva com o resto da minha vida, a minha profissão, os meus estudos, a minha família ou os meus amigos. E portanto o jogo é algo que deve fazer parte deste conjunto de coisas, não deve ser algo prejudicial a este conjunto de coisas, não deve será algo que substitua este conjunto de coisas, deve ser algo que os complementa. É, naturalmente, uma área de entretenimento e, portanto, o grande conselho é, acima de tudo, enquanto for diversão, parece me ser positivo.
Dito isto, um clube como o Boavista quer estar neste espaço para divulgar valores fundamentais como por exemplo o desportivismo e a inclusão. Queremos homens, mulheres, mais novos, mais velhos pessoas com limitações e necessidades especiais, que muitas vezes têm, com alguns dispositivos, facilidade de acesso aos desportos eletrónicos. E isso é muito bom. É uma característica muito positiva. Dificuldades sociais, que muitas vezes os jogos eletrónicos conseguem suprir, até porque são partilháveis, e há formas de nós podermos apoiar pessoas com determinado tipo de necessidades sociais a aproximarem-se destes investimentos. E portanto considero que nesse aspecto, como clube, é fundamental estarmos presentes e também nessa área comunicarmos os nossos valores.