

Raul Bizarro, coordenador técnico do Karaté no Boavista Futebol Clube
Com 38 anos de história no Boavista Futebol Clube, a secção de Karaté é hoje um símbolo de resiliência, formação e dedicação, muito graças ao trabalho incansável de Raul Bizarro, coordenador técnico e rosto principal deste projeto desportivo.
Desde os tempos iniciais em 1987 até à consolidação de um espaço e identidade próprios dentro do clube, Raul Bizarro acompanhou de perto cada ciclo de evolução, enfrentando desafios estruturais, mudanças demográficas e a constante necessidade de adaptação.
Nesta entrevista, partilha connosco não só o percurso da modalidade dentro do universo Boavisteiro, mas também os valores que transmite aos seus alunos, a relevância competitiva da secção e a importância do Karaté na formação cívica e pessoal dos jovens.
Um testemunho marcado pela paixão, perseverança e compromisso com o desenvolvimento do desporto no seio de um dos clubes mais ecléticos de Portugal.
- Sensei Raul, como começou a sua ligação ao Karaté e, mais especificamente, ao Boavista Futebol Clube?
Iniciou-se em Abril de 1987. A secção tinha sido criada há dois meses e o treinador que tinha assumido as funções deixou de poder dar continuidade.
- Lembra-se de como era o ambiente e a estrutura do Karaté no clube quando começou em 1987?
Sim, perfeitamente. Treinávamos numa sala em frente ao Boxe, na bancada do Topo Norte. Na altura estávamos voltados para o campo de treinos e a antiga pista de Atletismo. O Karaté fazia parte do Departamento de Ginástica. Nessa altura, como havíamos iniciado o Karaté já a meio da época desportiva, tínhamos uma meia dúzia de atletas a iniciar. No entanto, ao iniciarmos a nova época desportiva, em Setembro, atingimos de imediato uma meia centena de praticantes. As primeiras duas épocas foram de formação desde a estaca zero e de seguida, arrancamos com as equipas de competição.
- Quais foram os maiores desafios que enfrentou nos primeiros anos de trabalho no Boavista?
Os primeiros anos tinham uma vantagem muito grande que hoje não se sente, o elevado número de atletas. Em cada época entravam sempre imensos jovens, foram outros tempos em que, para além de haver uma mais elevada população jovem, também a oferta desportiva na cidade do Porto e arredores era menor. Isto não só na modalidade de Karaté como em todas as outras modalidades desportivas. Hoje, as respostas para os tempos livres dos jovens são muitas e isso faz-se sentir. Tínhamos também a vantagem de ter uma maior exposição do Clube na cidade e o mesmo acabar por ter uma maior influência em toda a área do Porto, mas sobretudo em torno da sua localização geográfica. Esta vantagem permitiu-nos desde logo, desenvolver um trabalho muito consistente e com muita relevância na modalidade.
Por outro lado, as dificuldades que sempre tivemos nesses anos prendiam-se com a dependência do Departamento de Ginástica e a capacidade limitada que tinha para nos dar respostas adequadas ao nosso crescimento, bem como pelas diversas alterações de espaço e horários que chegavam com cada início de época.
- Qual considera ter sido o momento mais marcante da sua carreira como treinador no Boavista FC?
Têm sido vários. Obviamente que cada título regional, nacional e internacional, é fator de extrema motivação. Mas também o é, cada “cinto negro” formado neste clube, com percursos de 15 e 20 anos de dedicação destes jovens ao clube e à modalidade. Também o é cada reconhecimento que nos chega dos pais, do Boavista FC, de outros clubes, dos expectadores das demonstrações que vamos fazendo, entre outros. Vai havendo sempre surpresas que nos marcam ao longo do caminho e este não está nunca terminado.
- Ao longo destas décadas, o que mais mudou na prática e ensino do Karaté dentro do clube?
Em 2012, conseguimos finalmente evoluir para um Departamento próprio no seio do clube, o que nos trouxe um novo alento para continuarmos, numa altura em que por falta de espaço no Departamento de Ginástica, a modalidade esteve quase a desaparecer. Esta alteração simples, viabilizou-nos que investíssemos na recuperação de espaços sem uso dentro do clube e relançássemos a modalidade. Sem a afluência forte de outros tempos, temos trabalhado com muita paciência e empenho com os atletas que nos chegam e renovando as nossas equipas de competição.
- Como descreveria a evolução do Karaté no Boavista, em termos de atletas, estrutura e reconhecimento?
Temos passado por vários ciclos, como é normal numa modalidade com 38 anos de funcionamento. O Karaté do Boavista Futebol Clube foi desde cedo, muito respeitado e reconhecido no seio da modalidade, como um local de referência para a formação de jovens com elevado nível técnico. Passamos por um grande ciclo evolutivo na década de 80 e outro na década de 90. Formamos centenas de praticantes e obtivemos diversos resultados de nível regional, nacional e internacional. Com a crise que o clube atravessou no início deste século, sofremos, como todas as modalidades, mas mantivemo-nos firmes e continuamos a trabalhar, encetando um terceiro ciclo. Como já referi, em 2012 relançamos o Karaté num quarto ciclo, com outro espaço de treino e outra estrutura e é nesse ponto que estamos.
- Quais os principais valores que tenta transmitir aos seus alunos enquanto treinador e mentor?
São essencialmente os valores do empenho, do trabalho, da honestidade e fair-play, bem como da resiliência.
- Que tipo de ligação existe entre a secção de Karaté e a identidade do clube?
No seio do Karaté, ao longo de décadas, o Boavista Futebol Clube foi o único grande clube desportivo com representação na modalidade. Todos os restantes são clubes só de Karaté ou de pequena dimensão desportiva. Apenas nos últimos 10/12 anos, vemos representações de outros grandes clubes desportivos como o Sporting Clube de Portugal, o Sporting Clube de Braga, o Sport Lisboa e Benfica e o Leixões Sport Club. Em todas as provas e eventos em que nos apresentávamos, gerava sempre imensa curiosidade a representação de um clube com uma dimensão universal. Era sempre o único clube, em que todo e qualquer espectador conhecia. Isto sempre nos ajudou na nossa identidade e desde cedo nos projetou na área do Karaté.
- Que papel tem o Karaté do Boavista nas competições regionais e nacionais atualmente?
Como referi, temos atravessado vários ciclos na nossa existência no seio do Boavista Futebol Clube. Neste último ciclo em que nos lançamos há 13 anos, vivemos os resultados finais da anterior equipa de competição, com resultados de relevo ao nível nacional em Karaté Shotokan, bem como com uma participação num Campeonato da Europa. Nos últimos dois anos, lançamos uma nova equipa, com resultados expressivos ao nível regional. O nosso antigo atleta e treinador adjunto, Diogo Machado, optou por participar recentemente no Nacional de Shotokan, obtendo o título de Vice-Campeão Nacional. Irá participar já em Setembro no Campeonato do Mundo de Karaté Shotokan, que terá lugar em Cadiz, Espanha. Este é um fator de motivação acrescida para os mais jovens, que tentamos lançar na competição.
- O Boavista tem tido atletas com destaque competitivo? Pode partilhar alguns exemplos?
Tivemos diversos, com resultados nacionais e internacionais. Mais recentemente poderemos destacar os irmãos José Pedro e Diogo Machado, com títulos no Karaté Shotokan e presenças internacionais nesta especialidade.
- Que objetivos gostaria de ver alcançados pela secção de Karaté do Boavista nos próximos anos?
Gostaríamos de estabilizar um grupo alargado de atletas, com uma equipa de competição que pudesse atravessar os diversos escalões até atingirem um patamar de elevado rendimento desportivo.
- Há planos para aumentar o número de praticantes ou diversificar as atividades?
Temos tentado promover a nossa exposição ao máximo. Neste capítulo, penso que falta ainda uma maior simbiose com o Clube, de forma a que todas as suas modalidades possam beneficiar da exposição mediática que tem o nome Boavista Futebol Clube. Aqui, é pena que algumas fachadas que o clube tem voltadas para o exterior, não possam servir para expor este seu ecletismo desportivo.
- Que papel pode o Karaté desempenhar na formação cívica e desportiva dos jovens hoje em dia?
O Karaté comporta ainda os valores tradicionais do respeito, do esforço, da verticalidade e perseverança. Neste aspeto e sendo a forma de estar na modalidade muito particular e balizada, é perfeitamente viável e assimilável pelos jovens este tipo de valores. Aliás, mais do que os resultados desportivos, é na formação do carácter dos nossos praticantes que depositamos o nosso maior esforço e de onde retiramos também a nossa maior satisfação.
- Como vê o futuro do Karaté em Portugal e que contributo acha que o Boavista FC pode dar nesse panorama?
O Karaté em Portugal é, cada vez mais, um caminho desportivo. Os resultados dos portugueses nunca foram tão bons como atualmente e, apesar de hoje em dia o Karaté não ser uma modalidade desportiva “da moda”, o seu valor na formação dos jovens é ainda bastante reconhecido pela nossa sociedade. O Boavista FC, pelo trabalho de elevado nível técnico que sempre produziu, mantém-se como escola de referência para a modalidade.
- Se pudesse deixar uma mensagem aos pais e jovens que consideram iniciar-se no Karaté, o que lhes diria?
Que apareçam e experimentem. O Karaté é um caminho para toda a vida, por isso deem tempo à modalidade, cresçam na modalidade e conseguirão descobrir tudo o que o Karaté tem para oferecer.
Raul Bizarro, Obrigado
Vamos Pantera!