

Bruno Fernandes, coordenador técnico do Kickboxing no Boavista Futebol Clube
No universo do desporto de combate, poucos clubes conseguem afirmar com tanta clareza a importância da formação integral como o Boavista FC. À frente da secção de Kickboxing está Bruno Fernandes, responsável não só por preparar atletas para a alta competição, mas sobretudo por cultivar valores que acompanham os jovens para a vida.
Nesta conversa, Bruno revela a filosofia que orienta o seu trabalho: formar pessoas antes de formar campeões. Com uma visão assente na disciplina, no respeito e na superação pessoal, destaca a importância de criar um ambiente onde os jovens atletas crescem em confiança, carácter e resiliência — dentro e fora do ringue.
Ao longo da entrevista, são abordados temas centrais como a evolução das novas gerações, a importância da vertente mental e emocional no treino, os desafios atuais da modalidade e as ambições do Boavista FC no panorama nacional e internacional do Kickboxing.
1. Como descreveria a filosofia de formação da secção de Kickboxing do Boavista FC?
A nossa filosofia é clara: formar pessoas primeiro, atletas depois. O Kickboxing é uma ferramenta poderosíssima para trabalhar disciplina, carácter e superação. No Boavista não estamos obcecados só com títulos, queremos criar um ambiente onde os jovens crescem com valores, aprendem a lidar com a pressão e a trabalhar por objetivos.
2. Que qualidades procura desenvolver prioritariamente nos jovens atletas: técnica, mentalidade ou valores?
Tudo isso tem de andar de mãos dadas. A técnica é o ponto de partida, mas se o atleta não tiver mentalidade e valores, não vai longe nem no desporto nem na vida. Trabalhamos a humildade, o respeito e a capacidade de ouvir, mas também exigimos compromisso e atitude.
3. Qual a importância que atribui ao Kickboxing na formação pessoal e social das crianças e jovens?
É enorme. Muitos miúdos chegam-nos inseguros, ansiosos ou até com problemas de comportamento. Ao fim de uns meses de treino regular, notamos mudanças significativas: tornam-se mais confiantes, mais focados e aprendem a controlar impulsos. O Kickboxing ajuda a estruturar a cabeça e dá-lhes uma direção.
4. Que diferenças nota entre a formação de atletas há 10 anos e a formação dos jovens praticantes de hoje?
Hoje temos miúdos com menos resistência à frustração, mais distraídos e com menos capacidade de foco. A exigência tem de ser adaptada. Há 10 anos havia mais “sede” de aprender e lutar. Agora temos de trabalhar muito o lado emocional para manter o compromisso, mas também temos acesso a melhores ferramentas, informação e meios de comunicação com pais e atletas.
5. Como é feito o acompanhamento da progressão dos atletas desde a iniciação até à alta competição?
Temos um plano estruturado, com fases de evolução bem definidas. Desde as graduações, ao planeamento técnico e físico, à integração progressiva em treinos mais exigentes. Os atletas com potencial para competição, são acompanhados com mais proximidade, mas todos têm espaço para crescer ao seu ritmo.
6. Que tipo de metodologias ou programas específicos utiliza para garantir uma evolução sustentada dos praticantes?
Trabalhamos com uma lógica de progressão contínua. Alternamos blocos técnicos com fases mais táticas, preparação física e trabalho mental. Os miúdos não treinam “para o campeonato X” — treinam para serem melhores a cada semana. A competição é apenas uma ferramenta, não o fim.
7. Como lida com as dificuldades de motivação dos atletas mais jovens, especialmente fora do contexto competitivo?
A motivação constrói-se no dia a dia. A ligação com o grupo, o ambiente no treino, o exemplo dos mais velhos tudo isso conta. Quando o foco é só competir e ganhar, perdem-se no caminho. Apostamos em criar um sentido de pertença, mostrar progresso constante e valorizar o esforço, mesmo que o resultado demore.
8. A componente mental e psicológica é trabalhada de forma sistemática nos treinos ou mais através da convivência e experiência?
Trabalha-se de várias formas. Claro que há treinos mais exigentes emocionalmente, mas o maior trabalho é feito na convivência, na forma como corrigimos, elogiamos ou exigimos. Os atletas sentem quando há exigência com propósito, e isso dá-lhes confiança. Criamos um ambiente onde falhar não é um problema, não tentar é que é.
9. Qual é atualmente o maior desafio para o futuro da modalidade de Kickboxing no Boavista FC?
O maior desafio é garantir que conseguimos acompanhar o crescimento da modalidade com qualidade. Felizmente temos tido uma grande procura, mas isso exige mais espaço, horários e recursos técnicos. A nossa prioridade é manter a exigência e a identidade da secção, mesmo com o aumento do número de atletas.
10. Quais são as metas de médio e longo prazo para o crescimento da secção, tanto em número de praticantes como em resultados?
Queremos continuar a aumentar o número de praticantes, sim, mas com critério. Mais importante ainda é criar uma base sólida de atletas formados por nós, que possam chegar ao topo com identidade Boavista. Resultados já temos, agora queremos consistência e reconhecimento pelo trabalho que fazemos todos os dias, e não só quando se ganha uma medalha.
11. Vê o Kickboxing a ganhar mais espaço dentro do clube, ao nível institucional e de reconhecimento, nos próximos anos?
Acredito que sim. O trabalho que temos vindo a desenvolver fala por si e tem mostrado resultados sólidos, tanto em termos de formação como de competição. A nossa ambição é continuar a crescer de forma integrada no clube, contribuindo para o ecletismo do Boavista e para o fortalecimento da sua presença no desporto nacional e internacional.
12. Acha que a formação de treinadores e a renovação técnica em Portugal está ao nível da exigência internacional?
Ainda não. Falta exigência, atualização e vontade de sair da zona de conforto. Há muitos treinadores a repetir fórmulas antigas. Se queremos estar ao nível internacional, temos de estudar mais, acompanhar tendências, fazer estágios fora e investir na nossa própria evolução.
13. Existem planos para criar parcerias com outras academias, clubes ou federações para potenciar a evolução da formação de atletas?
Sim, já temos alguns contactos nesse sentido. Somos abertos à partilha, desde que haja seriedade. Ninguém cresce sozinho. Parcerias, estágios conjuntos, formações cruzadas tudo isso só eleva o nível da modalidade e abre horizontes aos nossos atletas.
14. Como imagina e enquadra o Boavista FC na evolução do Kickboxing nacional e internacional nos próximos 10 anos?
Vejo o Boavista como uma referência na formação, com atletas nos grandes palcos, mas também como um clube formador de pessoas e treinadores. Quero ver a nossa secção como exemplo de estrutura, exigência e identidade. Se continuarmos a trabalhar como até aqui, esse cenário é perfeitamente realista.
15. Que mensagem gostaria de deixar aos pais que ponderam colocar os seus filhos a praticar Kickboxing no Boavista FC?
Que venham ver com os próprios olhos. Aqui os filhos vão treinar duro, mas com respeito. Vão aprender a cair, a levantar-se, a ouvir o “não” e a lutar pelo “sim”. Vão ganhar confiança, força e carácter. Não prometemos campeões no primeiro dia, mas garantimos que saem daqui melhores pessoas.
Obrigado Bruno Fernandes
Vamos Pantera!