O tempo do acesso livre dos adeptos a um estádio de futebol acabou. E acabou porque alguém se lembrou que as pessoas que pretendem assistir a um espetáculo de futebol – e só essas – têm de ser catalogadas, identificadas e marginalizadas sob o manto de uma alegada promoção da segurança, do combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos. Que fique bem claro: eu, a título pessoal, e o Boavista FC, enquanto instituição centenária, estaremos sempre na linha da frente do combate a qualquer tipo de violência no desporto.
No entanto, não posso concordar que esse combate seja feito com aparentes resquícios pidescos que perduram, quase 50 anos depois, mesmo naqueles que batem com a mão no peito e exibem o cravo vermelho em determinados eventos públicos.
Todos recordamos ter havido, não há muito tempo, uma histeria coletiva a favor da proteção de dados. Justificada, diga-se. Todos, sem exceção, temos direito à privacidade. TODOS. E todos temos de continuar a lutar pelos nossos direitos.
Por isso, é para mim claro que ninguém deveria ser obrigado a registar-se numa base de dados do Estado só para ter acesso a uma determinada zona de um recinto desportivo ou para aceder às zonas visitantes em recintos de outros clubes. Com a agravante de isto só acontecer num espetáculo, o futebol.
Lembro-me, em criança, de ficar fascinado quando entrava no Bessa, pela mão do meu pai, e via as bandeiras axadrezadas a esvoaçar nas bancadas – a minha incluída. Hoje, o meu filho não está autorizado a entrar no estádio com a mesma bandeira que me acompanhou durante anos.
Por força do Cartão do Adepto, são vários os estádios que podem ficar vedados ao acesso livre de um qualquer cidadão que queira ir ver um jogo de futebol – a não ser que se registe numa base de dados do Estado.
Por tudo isto, sou, desde a primeira hora, frontalmente contra o Cartão de Adepto, até pela forma como foi idealizado e executado. Estou, e estarei sempre, do lado da lei e da ordem, como também estarei sempre disponível para dar o meu contributo no combate feroz à violência, ao racismo e à xenofobia na sociedade e no desporto. Mas, nunca desta forma, através de leis que só servirão para afastar as pessoas do futebol.
Se todos os intervenientes trabalhassem em conjunto e tivessem sido consultados durante este processo, teria sido fácil de perceber que continuaria a ser mais do que suficiente permitir o acesso das pessoas aos estádios de futebol em zonas específicas do respetivo clube. Mas não. Optou-se pela burocracia. Mais burocracia, mais barreiras e mais dificuldades para aqueles que amam o futebol.
Para este campeonato, que arrancou na sexta-feira, ficamos desde já com a certeza de que será bem mais difícil o acesso de um cidadão a um estádio de futebol em Portugal do que a passagem por uma qualquer fronteira fora do Espaço Schengen.
Vítor Murta
Presidente do Boavista FC
Presidente da Boavista FC, Futebol SAD